terça-feira, 19 de maio de 2015

Carta de Ras Geraldinho ao Ministro Celso de Mello

Iperó, 19 de maio de 2015

Exmo. Senhor Ministro do STF Dr. Celso de Mello, digníssimo relator do recurso ordinário em Habeas Corpus nº 125.434/SP, número RHC/DD/1862/14

É com profundo respeito que Eu&Eu, Geraldo Antonio Baptista, reconhecido nos autos como Geraldinho Rastafari, Elder da Primeira Igreja Niubingui Etíope Coptic de Sião do Brasil, ainda encarcerado na Penitenciária Odon Ramos Maranhão – Iperó/SP, venho mais uma vez solicitar vossa preciosa atenção para a situação de violação de direitos humanos e constitucionais que a pessoa jurídica legalmente constituída da minha igreja supracitada e seus membros vêm sofrendo a mais de cinco anos.

Nossa cultura religiosa é de denominação rastafári, com raiz numinosa coptic (copta) da Etiópia, irmãos em fé dos coptas do Egito, que estão sendo dizimados pelos fanáticos integrantes do Estado Islâmico.

Magno senhor Celso de Mello, os coptas, tanto egípcios quanto etíopes, desde muitos séculos antes do “ano domini” vêm sendo perseguidos, calados, presos, torturados, assassinados e martirizados por radicais de grupos étnicos de diversas matrizes religiosas.

E a nossa situação, aqui em terra brasilis, não é diferente.

A cultura religiosa coptic é azulejo do mosaico cultural hebreu-judaico e berço do cristianismo. Vários personagens bíblicos eram de confissão de fé copta. Entre elas, podemos lembrar dos Reis Magos e do Apóstolo Marcos, que é patrono da nossa amadíssima igreja Niubingui.

Assim como o Islamismo, o Judaísmo e o Cristianismo, a cultura religiosa copta é monoteísta, entidade numinosa única que nós, rastafáris, chamamos de Jah, contração fonética que Davi usava ao se referir à Javé/Jeová.
O proceder do nosso aprisco encontra paralelo na compreensão alegórica dos livros de Gênesis e Êxodo, no Pentateuco Mosaico.

O reconhecimento antropológico do histórico da Igreja Etíope Coptic de Sião, da Jamaica - matriz intelectual da nossa igreja Niubingui brasileira, está declarado em testemunho da senhora Dra. Melanie Dreher ao tribunal federal dos Estados Unidos da América do Norte, em ação movida contra os líderes da Igreja Etíope Coptic de Sião daquele país.

Em momento algum estivemos na clandestinidade. Nosso relacionamento com a comunidade e com as autoridades nas três esferas foram sempre calçados nos princípios basilares da justiça e da jurisprudência.

Nunca nos envolvemos em ação clandestina, com grupos proscritos, muito menos nos associamos ao crime organizado ou desorganizado.

Foi com base nos documentos e pareceres constitutivos da igreja do Santo Daime, assim como nas diretrizes do CONAD para aquela instituição religiosa, que norteamos a vida institucional da Primeira Igreja Niubingui Etíope Coptic do Sião do Brasil.

Nós plantávamos a planta cannabis no jardim privado da nossa igreja Niubingui, por ser esta a recomendação expressa do egrégio conselho do Ministério da Saúde para o Santo Daime.

Em hipótese alguma participamos da ação de tráfico de drogas.

Todas as nossas ações foram e são análogas ao proceder do espírito religioso qualificado e petreamente protegido pela nossa magna Constituição, a qual, felizmente para os injustiçados do nosso amado Brasil, vossa respeitadíssima senhoria é guardião.

A minha confissão de fé se encontra nos anais do processo número 0015072-53.2012.8.26.0019 que chega agora em vossas mãos.

A questão de fé aqui envolvida é um exercício filosófico-intelectual de cunho íntimo. Nunca tivemos o intuito profético ou trabalhamos com a pregação e angariação de adeptos. Não faz parte do proceder rastafári a pregação e a evangelização.

Nós somente recebemos os irmãos e irmãs que queiram conhecer, teoricamente e/ou em vivência, o “life style” da nossa cultura religiosa.

O pequeno volume da Santa Kaya (cannabis) que plantávamos no jardim privado da nossa igreja Niubingui era para uso exclusivo nos trabalhos de nosso aprisco.

A lógica da compreensão sobre os nossos direitos da pessoa humana, da pessoa jurídica da nossa venerável igreja Niubingui assim são elencados: no “Livro da Vida” (Bíblia Sagrada). Para citar algumas das centenas de passagens correlatas ao nosso proceder teosófico.

- Gênesis 1.11,12,29,30; 2.8,9; 41.5~7
- Êxodo 20.21; 24.15~18; 33.9~11; 40.34~38
- Números 9.15~22
- Mateus 12.1~8
- Marcos 2.23~28
- Lucas 6.1~5
- Apocalipse 22.2,3

- Pacto de São José da Costa Rica do qual o Brasil é signatário desde 1992, em acordo com os preceitos garantidos nos Artigos 11,12,13,15,16,24 do Capítulo 2º; o Artigo 29 do Capítulo 4º; o Artigo 33 do Capítulo 6º do digníssimo pacto de São José da Costa Rica.

- Constituição da República Federativa do Brasil. Em acordo com o santo verbo da carta magna brasileira, onde encontramos no título segundo dos direitos e deveres individuais e coletivos; artigo 5º de forma pétrea e inequívoca que: todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito da vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:  parágrafos I, VI, VII, VII, IX, X, XI, XVI, XVII, XVIII, XXI, XXXV, XXXVI, XXXVII e XLI.

- Jurisprudência do Santo Daime. Compreendemos que, sob o manto constitucional do direito da igualdade, a situação da nossa igreja Niubingui é análoga às igrejas que fazem uso do chá Ayahuasca, que assim como a cannabis, está na lista de substância controladas do Ministério da Saúde, mas é permitido para os sacramentos ritualísticos destas igrejas, sendo a do Santo Daime a mais conhecida.

Gostaria de reafirmar que seguimos rigorosamente as diretrizes do CONAD para tais igrejas, às quais respeitamos muito.

- A lei 11.343/2006. Acreditamos piamente que estamos abrigados na legalidade perante o novíssimo texto da lei que corrigiu muitas imperfeições de sua antecessora.

O legislador foi feliz ao estabelecer as penalidades para o Artigo 28 isentando os usuários da privação de liberdade. O que foi, sem dúvida, um grande avanço social.

Triste é o magistrado insistir em não compreender a diferença entre o usuário e a prática de tráfico. Porém o mais importante avanço da lei 11.343, aos olhos de nossa instituição, foi a introdução do verbete “indevido” como adjetivo à palavra uso, dando luz e foco ao que realmente é proibido. Esta observação é tão importante que a expressão “uso indevido” é repetida não menos que 23 vezes no corpo da lei, para que não haja dúvida sobre este entendimento.

Então, o generalizador e obscuro termo “é proibido o uso”, passa para a clareza da nova expressão “é proibido o uso indevido”.

Fica claro, então, que os usos são múltiplos e somente o que é indevido deve ser proibido, enquadrando-se aqui o tráfico.

Compreendemos de bonafide que para fins religiosos não mais seria proibido o uso da nossa sagrada planta cannabis, pois o uso em nosso caso é devido. Devido ao uso religioso. Que é o mesmo, movido pelo qual, o legalmente autorizado chá do Santo Daime não é proibido.

Além disso, nos enquadramos no espírito da lei que prioriza a redução de danos, pois os nossos trabalhos competem para a diminuição e/ou erradicação do uso de drogas realmente perigosas, como a cocaína, o crack e a mais devastadora de todas que é o álcool.

Atendemos aos artigos 2, 4 I-II, 5II, 18,19 I-II-III-V-VII-XI-XII, 20, 21 ,22 I-II-III-V, 28 ins. 2º e 33 ins. 4º

- A manifestação de vossa excelência em relação ao tema durante o processo que liberou as legítimas passeatas pela descriminalização da cannabis, conhecidas como “Marcha da Maconha”.

Na ocasião, o Portal de Notícias UOL divulgou uma matéria com o título: Ministro sugere que acionem o STF para a liberação de substâncias ilícitas em cultos religiosos.

Segundo a UOL, estas são vossas palavras: “eu, mais ou menos sugeri isso (a ação) em meu voto; lamentando não poder fazer naquele momento por questões meramente processuais...”

E segue: “Hoje a Constituição do Brasil, cuidando da liberdade religiosa, que admite múltiplas interpretações, reconhece o direito a quem pratica qualquer religião, e o Estado tem que respeitar qualquer liturgia. Se alguém pretende discutir este tema, é evidente que isso pode ser debatido em uma ação no Supremo.” – afirma o Ministro Celso de Mello.”

Respeitadíssimo senhor Ministro, por todas as razões acima citadas é que acreditamos nunca ter cometido crime algum. Sempre trabalhamos confiantes em estar na legalidade constitucional e principalmente, mesmo que se analise de forma divergente do nosso pensar, tudo o que fizemos foi em boa fé.

Portanto rogo a vossa excelência que venha em nosso auxílio e ajude-nos a defender os direitos de nossa igreja Niubingui.

Com fé incondicional em nosso Pai Todo-Poderoso (Jah) e no nosso espírito da justiça, do qual vossa senhoria é guardião, eu vos agradeço de coração embargado pela emoção dos que lutam pela “Real Verdade”.

“A conclusão de todo discurso ouvido é esta: teme a “Jah” (Deus) e guarda seus mandamentos; porque isso é dever de todo homem. Porque “Jah” (Deus) trata toda obra a juízo, juntamente com toda coisa secreta, seja boa ou seja má”. (Eclesiastes 12-13,14)

À espera da justiça, agradeço antecipadamente a vossa magna atenção.
Que a glória divina se derrame sobre nós candeeiros de Sofia.


Ras Geraldinho
Elder da Primeira Igreja Niubingui Etíope Coptic de Sião do Brasil